Lutei muito nos últimos meses para iludir qualquer menção a Tomorrowland. Tapava os olhos durante trailers no cinema, e não li/vi nenhuma crítica na íntegra porque queria evitar que minha opinião quanto ao filme se formasse cedo de mais. A verdade é que reviews e análises da mais recente longa-metragem de Brad Bird têm sido mistas ou completamente negativas; por vezes portadoras de uma aversão colérica que não consigo entender.
Porque, sim, Tomorrowland é imperfeito e o estruturalmente equivalente a um ovo mal cozido, mas também é o derradeiro testamento de que os adultos, por mais que realmente percebam do mundo e das coisas, não sabem é nada.
Não falo apenas em relação às críticas que o filme tem tido, mas à narrativa em si. Tomorrowland apresenta-nos uma realidade paralela, na qual mentes brilhantes como Thomas Edison e Nikolas Tesla construíram junto com Eiffel a homónima torre para funcionar como uma antena gigante e uma nave espacial para outra dimensão. Esta dimensão steampunk albergaria os cientistas e engenheiros da Terra; aqueles que pudessem construir um futuro melhor para os plebeus. É uma filosofia objetivista e elitista de uma sociedade utópica que não se chega a concretizar, ou seja, devolve para uma distopia clássica (embora sub-explorada) parente de Orwell ou Huxley.
Britt Robertson é altamente cativante como Casey Newton, uma jovem geek que vive com o seu pai e o seu irmão (não sabemos da mãe) e sonha um dia explorar o espaço, assim como resolver todos os problemas da Terra. É talvez a questão central da história: Casey está farta de ouvir que o seu planeta está em apuros, que as cheias nos vão devorar, os furacões nos destruir; ela quer é arregaçar as mangas e descobrir uma forma de acabar com esses desastres. É uma mulher de armas nerd, com um sentido de humor juvenil oriundo da sua mente demasiado perspicaz.
A certo ponto, Casey descobre um pin que, ao ser tocado, a transporta para uma realidade diferente. Bird tem um sentido de geografia fantástico: este tipo de viagem inter-dimensões seria demasiado confuso para o espetador se o homem por detrás da câmara não soubesse como indicar as transições. Senti-me que nem uma criança durante estas partes, a descobrir bugigangas futuristas, a absorver nova informação do fantástico. Apoderou-se de mim um sentido de imaginação infinito, que a certa idade nos esquecemos de ter. Não foi nostalgia; antes um redescobrir da minha própria mente.
Agora, o final do filme é ridículo. Os últimos 20 minutos são tão comprimidos e apressados que mal somos apresentados ao vilão já estamos a partir para a resolução climática e temática assim como o fim do arco narrativo das personagens; aqui, Bird mostra estar mais preocupado com a mensagem do que com a história que envolve essa mensagem. É um erro crasso que deixou um sabor amargo na língua da crítica geral, e com razão.
Mas 1/3 do filme não anula os anteriores dois terços. Pode consolidá-los ou torná-los mais consistentes em retrospetiva, mas nunca apagá-los. E não acho que Tomorrowland o faça; apenas se perdeu no meio da força criativa de Bird e de Lindelof (o argumentista) e das intenções comerciais do estúdio (a dita cuja Disney), e não encontrou o caminho para o final dramático que o resto do filme pedia.
Outra das críticas é que o apogeu central, o mundo de Tomorrowland em si, é extremamente apelativo mas ultimamente decepcionante. É outro reparo que consigo entender até certo ponto, porque afinal de contas é esse o propósito do filme. Não é uma sociedade intrinsecamente elitista que vai resolver os problemas da Terra; de facto evoluíram tecnologicamente para encontrarem uma espécie de prolongamento de vida e um bando de robôs subservientes, mas como homens e adultos que são, perderam-se na sua própria húbris e derrubaram a sua própria ideia de Utopia. É normal que o futuro desiluda: é uma criação míope de uma humanidade decadente.
A verdade é que Tomorrowland é um filme-mensagem, à laia das ficções-científicas de Spielberg e do cinema mais optimista de cultura pop dos anos 60/70. No seu núcleo anti-apocalíptico, pretende que nós como audiência entendamos as repercussões de nos fechar à cultura negativista e ostracizante do mundo ocidental, dos Walking Deads e semelhantes (apesar de ser uma noção ultrapassada duas semanas depois do lançamento do novo Mad Max), para passarmos a aspirar a um positivismo categórico e inabalável, que galvanize o sentido de descoberta dos mais novos e os inspire a algo mais e melhor.
É um ideal nobre e um que me deixou a mim, adulto maníaco-obsessivo, entusiasmado com a visão de um presente onde aprendemos a resolver os problemas, não só a sua definição. Digamos que Tomorrowland, seguindo a analogia super-heróica da berra, é um filme para Super-Homens, não para os Batmans deste mundo. Apesar do final estupidamente explosivo, acarreta uma mensagem que não só os mais novos, mas também os adultos, devem ouvir e digerir.
Está longe de ser perfeito, mas não vão ter outro filme de verão tão original como este.