Algo que magoa a alma do casual snob cinéfilo é a arremetida infinita de filmes de superheróis daqui até 2020. Em pouco mais de 5 anos, vamos ter aproximadamente 26 filmes de capas e ação extra-colorida a ocupar os nossos ecrãs. Comparativamente, 2015 foi a calma antes da tempestade, com apenas três longas-metragens a estrearem sem grande pompa.
A segunda team-up d’Os Vingadores surgiu e sumiu num abrir e fechar de olhos, arrecadando um belo bilião de dólares que mesmo assim ficou aquém do auge económico alcançado pelo seu antecessor. Apesar do box-office colossal, a cultura pop não foi abalada como em 2012. O Homem-Formiga conseguiu umas notas dignas do seu modesto nome, e do desastre fantástico do Quarteto principal da BD nem se fala.
Já para o ano que vem estão agendados sete filmes, mais do dobro. 2015 serviu para depurar o paladar, servindo umas entradas neutras e inconsequentes ao mesmo tempo que nos inundava a consciência de trailers, imagens e opções de casting para filmes que provavelmente ainda nem têm um guião pronto. Este ano vivemos mais do futuro do que do presente propriamente dito: a nossa atenção coletiva focou-se tanto na inundação vindoura de superheróis que nem nos apercebemos do quão refrescante foi 2015 para o cinema.
Caso em questão: os estúdios da Universal atingiram a marca dos 2.1 biliões de dólares (domésticos, 5.53 brutos) agora em Agosto para o ano de 2015, e ainda faltam quatro longos meses repletos de grandes lançamentos. É um número significante porque quebrou recordes, e a soma dos vencimentos de estúdios como a 20th Century Fox ($754m), Paramount ($523), Sony ($309m), Lionsgate ($269m) e The Weinstein Company ($238m) não chega para ultrapassar o mastodonte monetário da Universal.
Ora, datas orçamentais e números não interessam a ninguém, mas refiro isto porque a Universal atingiu essas proporções épicas sem nenhum filme de superheróis na sua chancela cinematográfica.
É certo que o seu sucesso recai em blockbusters como Velocidade Furiosa 7 e Mundo Jurássico (que passaram a marca do bilião de dólares universal), mas filmes como Pitch Perfect 2, aquela abominação erótica das cinquenta sombras e a explosão recente do Straight Outta Compton (que vá-se lá saber porquê ainda não chegou às salas nacionais) arredondam um catálogo bastante variado, relativamente a um mundo supostamente dominado pelo spandex e super-força de homens brancos.
O mais importante a reter disto é que, ao contrário da sabedoria popular, aquilo que triunfou este ano na bilheteira foi a diversidade, seja no elenco grandioso da equipa de Dominc Toretto, na equipa acapella das Barden Bellas ou na atitude fuck tha police dos N.W.A. de Compton. Mundo Jurássico é o único filme com um típico cavaleiro andante no seu núcleo, mas foi bastante criticado pela sua atitude para com as personagens femininas.
Para além disso, o género dominante de 2015 é o dos espiões: Kingsman, o novo Missão:Impossível, o próximo 007; só nas semanas que vêm vamos assistir a estreias como American Ultra e O Agente de U.N.C.L.E., autênticas peças de ação sem nenhuma chicanice do Loki. Isto tudo sem referir o facto de que Homem-Formiga subverte o estilo de super-espionagem para a sua trama cookie-cutter da Marvel, ou que O Quarteto Fantástico é mais hard-sci-fi que outra coisa.
De facto, o que a maior parte dos críticos superficiais de cinema super-heróico não entende, é que a estrutura da banal história de origem mesclada com a pontual team-up vai desaparecer nos próximos anos, em prol de enredos mais complexos e variados, assim como caras que diferem do constante Homem-Aranha ou do primo Batman. David Ayer vai-nos trazer uma peça anárquica de caos gangster em Suicide Squad; os Irmãos Russo aprontam-se para colocar o Homem de Ferro e o Capitão América em lados opostos de uma guerra civil, e Deadpool promete a desordem violenta de um filme de ação rated-R bastante consciente das suas próprias limitações.
Não ligo à atitude pseudo-intelectual que povoa muita da discussão de cinema hoje em dia, mesmo aquela que pretende ser superior ao casual blockbuster incontornável. Acho-a destrutiva; uma tendência agressiva para alienar um universo tão vasto e diferente como o do cinema, capaz de suportar o mais variado dos espetadores, o mais inteligente dos cinéfilos.
Desde o noir ao western ao filme de ação, o cinema sempre teve um género predilecto, e sempre levou bofetadas verbais durante o seu transitório reinado. Ao contrário destes, no entanto, a época dos superheróis é a mais variada, a mais consistente, e a que tende a se tornar cada vez mais progressiva e universal. Venha daí o negro Deadshot, a badass Wonder Woman e a nação estrangeira de Wakanda para calar os detratores de uma suposta estagnação que, em boa verdade, não existe.