Bela merda. Foi o que disse assim que saí do cinema, cabisbaixo e a pensar no insípido descarrilar de umas dezenas de carruagens de boa fé que acabara de ver passar. Durante a semana só li e ouvi críticas odiosas, autênticos escarros nojentos num filme que ainda não tinha saído sequer. Racionalizei-os como exagerados, opiniões berrantes de fãs da banda desenhada original que não se reviam na mais recente adaptação da sua família ficcional favorita.
Muitos dos comentários direccionados a este Quarteto Fantástico tinham o race-bending do Tocha Humana como principal ponto negativo: Johnny Storm sempre foi branco nos quadradinhos, que razão havia para mudarem o tom da sua pele? Simples shock-marketing, ou seria antes uma pensada agenda progressiva?
No fundo, não interessava, pois o bulício desfavorável que trouxe consigo criou um mau ambiente enorme à volta do filme. Uns falavam em racismo, outros eram racistas, outros simplesmente pediam por um respeito básico pelo material de origem. Histórias infelizes acerca do estado de espírito mais ou menos inebriado de Josh Trank, o realizador, não ajudaram: correram rumores que partes do filme tiveram que voltar a ser gravadas; interferência ditatorial de estúdio que nunca faz bem a uma peça de cinema.
Essa interferência nota-se no produto final: Quarteto Fantástico dura uns redondos 100 minutos onde absolutamente nada acontece. A história cobre 8 anos, com duas elipses narrativas questionáveis, sem fundamento. Para além de quebrarem o ritmo natural do enredo, destroem por completo o desenvolvimento das personagens, que regridem para caricaturas de si mesmas, marionetas artificialmente controladas num palco inconsequente.
Com um elenco repleto de bons atores, seria de esperar que pelo menos existisse uma boa química entre eles, isto é, que as suas interações saltassem do ecrã e se tornassem reais para o espetador. Pensem em Guardiões da Galáxia (2014) e nas conversas dessa adorável banda de desajustados sociais; ainda conseguem sorrir com elas, certo? Não falo apenas do quão engraçadas são, mas da maneira com que os diálogos coloram as personagens em si, e de como as realizam aos olhos da audiência.
O guião de Guardiões da Galáxia permite aos atores criar tiques ínfimos mas particulares, posturas específicas a cada uma das personagens. Acima de tudo, permite que veiculem emoção, seja ela boa ou má. Pelo contrário, os atores de Quarteto Fantástico são obrigados a representar à volta dos buracos do guião (assim como aos da produção do filme), tornando todo o humor rígido, todas as conversas num discorrer enfadonho de informação que não têm pay-off nenhum.
De facto, pode-se resumir a estrutura do filme a essa inépcia dramática: os dois primeiros actos constroem um mundo sólido, apresentam e arredondam as personagens do ensemble com algum interesse. E depois alguém se senta na metafísica sanita que é a tela de cinema e começa a cagar, e a cagar, e cagar. Merda fluí durante meia hora e ninguém tem a decência de puxar o autoclismo.
Não há nenhuma da jovialidade enérgica que deu vida ao anterior filme de Trank, Chronicle (2012) – do qual sou acérrimo fã -, nem nenhum do empenho inflexível que Bryan Singer e Matthew Vaughn trouxeram ao outro franchise de superheróis da FOX, X-Men. Nem a batalha final de Quarteto Fantástico impressiona: sou capaz de perdoar algumas falhas narrativas quando me apresentam sequências de ação aparatosas, cujo espetáculo vibrante de cores e/ou poderes servem as minhas vísceras mais do que o meu intelecto.
Mas aqui nem cores, nem poderes. Os nossos heróis mal têm tempo de se reconciliar com os seus novos corpos e habilidades, pois o filme atira-nos de imediato para um futuro ameaçado pelo vil Dr. Doom (Toby Kebbell), que nos força um clímax insonso pela goela adentro.
A verdade é que Quarteto Fantástico funciona mais como um indie do que como uma team-up superheróica. A Sue Storm gosta de ouvir Portishead para se concentrar, o estilo mumblecore de diálogos parece alargar-se em algumas cenas, e o tom desbotado, quase desinteressado, entra em choque com a norma corrente de adaptações de banda-desenhada.
Tudo isto podia ser justificado se Quarteto Fantástico de alguma maneira estivesse a ser verdadeiro para com a BD original. Há males que, por vezes, estão na raiz. Mas bolas se isto não é um infeliz 180º dos comics, e se todas as mudanças não foram somente aleatórias e golpes de estômago mal intencionados que não resultaram num produto final coerente.
Sou da opinião que uma adaptação cinemática deve fazer tudo para criar um bom filme, mesmo que isso deturpe a essência do material de origem. O que me interessa é ser maravilhado, não se uma personagem é branca nos livros e de repente é preta na tela. Não me importa que a cara deste Dr. Doom mais pareça um calhau mal formado da Ilha da Páscoa do que outra coisa, mas o filme tem que merecer isso.
E no fim, Quarteto Fantástico não merece nada. Não merece os custos de produção, não merece o talento dos atores, e não merece o lamentável rebuliço que se perpetuou à sua volta. Há respingos de cinema aqui e ali, mas posso ter sido eu que vi mal. Não é terrível e vai levar por tabela dos fãs vindicados com o seu falhanço, mas também não se esforçou para o contrário.
Infelizmente já estava à espera… Não havia necessidade de trazer isto ao de cima outra vez
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Tudo para manter os direitos na FOX. Mas o pior é que podia ter saído algo bom daqui, o talento era inegável. Ou assim pensava eu.
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Todos sabemos que era uma questão de direitos mas a verdade é que isto custou caro tanto para a FOX como para a Marvel em termos de credibilidade… Não sei se nos próximos tempos vamos ver o Quarteto Fantástico outra vez.
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