Revisitando o final de Dexter

Há uns tempos fiz uma retrospetiva ao final de Breaking Baduma série que começou com uma arremetida de adrenalina crescente sem outra opção que não culminar numa hora terrífica de parar o coração. Ora, Dexter é uma besta diferente, mais episódica e desleixada, apesar de explorar a temática anti-heróica de que Walter White se tornou o melhor exemplo. Dexter teve mais um par de anos para descarrilar, mas desde sempre que nunca atingiu os patamares estabelecidos pelas duas primeiras temporadas.

Depois de um sétimo ano terrífico (*), com uma tensão dramática exasperante, o ‘canto do cisne’ do nosso serial-killer favorito tornou-se mais numa música do Zé Cabra: desafinada em todos os aspectos, com falhas imperdoáveis na execução da lírica.

(*) Em parte devido ao casting de Ray Stevenson e ao aproveitamento da sua personagem na narrativa, coisa que não aconteceu com a Evelyn Vogel ou com o Elway. Bem vistas as coisas, as melhores temporadas do Dexter são aquelas com fortes guest stars (John Lithgow, Julia Stiles, Keith Carradine). Os atores desta oitava temporada têm um bom currículo, mas é óbvio que os escritores não sabiam o que fazer com eles.

64565474Comecemos pelo ridículo. Será que toda a gente em Miami é cega? Saxon arrasta os pés pela cidade a escorrer sangue, com uma arma de fogo na mão, e ainda consegue espancar um transeunte qualquer sem que as dezenas de pessoas à volta reparem. É que foda-se, a cara dele estava estampada em todas as televisões! E será uma pessoa a vomitar sangue o suficiente para iludir as unidades policiais em frente do hospital? Pelo menos apanharam o Saxon antes de chegar ao quarto da Debra. Então e Hannah a enfiar a seringa na perna do Elway dentro de um autocarro em plena luz do dia? Está tudo a sofrer de cataratas? Miami anda a precisar de um rastreio visual coletivo.

Fora os artificialismos do enredo, é impossível não colocar a última temporada de Dexter em paralelo com a de Breaking BadUma é um exemplo magistral de tensão controlada, um estudo de personagens moralmente deploráveis em constante conflito que resulta numa explosão de emoções e leva os espectadores a ficarem revoltados, apesar de simultaneamente fascinados com aquilo que vêem  A outra começou como sendo uma peça de humor negro bem escrita, dirigida e representada, dona de plot twists cativantes e inesperados, mas acabou por se tornar numa paródia de si mesma.

É que já tinham solidificado a ideia de que Dexter precisava de matar. Não era um vício como o álcool ou o tabaco, mas algo intrínseco ao seu ser, uma necessidade incontornável. No entanto, a última temporada insiste em redirecionar a culpa dos crimes cometidos por Dexter para a Drª Vogel, a única culpada por tornar o cientista forense no assassino que é. Deixa de ser genética, deixa de existir conflito moral para haver um moralismo binário desinteressante.

Assistimos não ao desterro do monstro, do dark passenger (que, se me recordo, nem sequer foi mencionado esta temporada), mas ao desterro do menino dourado por baixo do monstro. A personagem protagonizada por Michael C. Hall já era perfeitamente compreendida pelos espectadores, pelo que não havia necessidade de desfazer em 12 episódios a progressão emocional dos 84 que os precederam.

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Ocorreu uma despersonalização no que toca a tudo o que se desenrolava no ecrã. Foram cometidos erros crassos numa última temporada em que podiam ter explorado tudo o que ainda não haviam explorado nas sete anteriores, mas os responsáveis decidiram pegar na característica fórmula Big Bad (Saxon) + Love Interest/Meddling Buddy (Hannah/Zach) + Suspicious Cop (Elway/Clayton), que em vez de resultar no improvável sucesso dos anos anteriores, ofereceu-nos uma temporada desprovida de qualquer emoção ou tensão.

Nem a morte da minha querida Debra me afectou tanto quanto devia ser suposto. Não fez sentido, porque é que ela tinha que morrer? Para Dexter perceber de uma vez por todas que só causa dor às pessoas que ama? Já não tínhamos passado por isto na quinta temporada depois da morte da Rita? O último episódio nem sequer nos deu o final perfeito: Dexter entregava-se à Miami Metro depois de assassinar o Saxon, ciente de todo o mal que, directa ou indirectamente, havia causado.

Em vez disso, temos um diálogo desconexo sobre caminhadas pelas montanhas, mais um momento de amor ambiguamente fraternal, no qual a Deb diz não querer ficar sozinha com as sombras (**), e um burial at sea literal. Dexter entrega-se ao furacão, mas apenas para fingir a sua morte e carregar no botão de reset da sua vida, abandonando Harrison aos cuidados de Hannah e procurando a anti-Miami, onde abundam montanhas e florestas, e onde possa viver em paz o resto da sua vida como lenhador.

(**) A ausência de luz exterior no quarto dela faz um paralelo com a escuridão emocional do seu irmão. Reparem que durante os flashbacks Dexter usa as camisas pretas das primeiras temporadas, ao passo que na última alterna entre o azul bebé e o rosa claro.

Dois anos depois, Dexter continua a deixar-me com um trago amargo na língua. É infeliz a forma como estraga em retrospetiva todo o tempo que passei com estas personagens; a adrenalina e emoção que algumas situações e relações evocaram são destruídas pela negligência ignorante dos escritores e realizadores. Agora, a série é mais um conto preventivo que outra coisa: nunca arrastem uma história durante oito anos que após o quarto já não tem pernas para andar.

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